ANTONIO CONSELHEIRO
ANTONIO CONSELHEIRO
Antonio Vicente Mendes Maciel era um cearense, nascido a 13 de março de 1830 na Vila de Campo Maior de Quixeramobim e falecido em 22 de dezembro de 1897 em terras baianas, vitimado por estilhaços de uma granada durante a chamada Guerra de Canudos.
O seu carisma era espantoso, com uma postura invulgar na liderança de Canudos, um pequeno vilarejo situado no interior baiano, local que atraiu milhares de sertanejos, entre escravos e camponeses e foi núcleo das batalhas entre as forças do governo e os habitantes daquela pequena localidade.
Nascido no período imperial, muitos historiadores apontavam-no como uma figura messiânica e um fanático religioso, representando um perigo como revolucionário, quer para um Império que já estava definhando, quer para a República que viria a ser instalada.
Mas, de uma forma ou outra, ninguém poderia negar que Conselheiro foi um rebelde místico e um líder espiritual e partícipe, ajudado pelos fiéis, da sangrenta Guerra dos Canudos, mas compete aos estudiosos dissecar, com mais profundidade, a vida tumultuada dessa lendária figura, quase enigmática e coberta de um aspecto visivelmente misterioso.
Na verdade, escrever sobre Antonio Conselheiro não vem a ser uma tarefa fácil, pois era apontado por muitos como um tresloucado, mas, na verdade, feito o competente exame cadavérico por profissionais do ramo, o resultado revelou que o crânio desse mestiço não apresentava nenhuma anomalia que demonstrasse traços degenerativos, notando-se apenas características antropológicas de diferentes raças
Nascido em terras cearenses, onde viveu parte de sua vida, depois de sentir a infidelidade de sua companheira, passou a levar uma vida nômade pelos sertões nordestinos, pregando com garra, mesmo sem púlpito a moral cristã, sempre idealizando a criação de uma organização religiosa de cunho comunitário, não tendo a sua atividade qualquer conotação de caráter político.
No fim do século dezenove, Conselheiro e seus seguidores estabeleceram-se no município baiano de Monte Santo em um povoado conhecido como Canudos, às margens do Rio Vaza-Barris, local escolhido para a fundação do seu sonhado Monte Belo.
A nova cidade, com traços entremeados de fanatismo e de religiosidade, era considerada como uma ameaça ao governo, sendo a localidade atacada seguidamente por quatro diferentes expedições militares, ocasionando a morte de muitas pessoas, principalmente adeptos do líder religioso.
Alguns escritores , devido ao espírito místico e religioso de Conselheiro, referiam-se aos seus principais seguidores como o grupo dos “Doze Apóstolos”, figurando, entre eles, Antonio Beatinho, Antonio Mestre, Antonio Paiéu, Antonio Fogueteiro, Antonio dos Pocinhos, Antonio Cura e Antonio Missivista, além de outros.
O movimento de Canudos, liderado por Antonio Conselheiro foi alvo de constantes ataques por diferentes e múltiplas expedições militares governamentais e que reduziram, no final, o vilarejo de Canudos a escombros.
Mas, na realidade, esse acontecimento ainda não foi analisado como mereceria ser, embora Euclides da Cunha em sua obra “Os Sertões”, na qualidade de repórter de “O Estado de São Paulo”, tenha deixado importantes registros a respeito do assunto, mas, mesmo assim, ainda há muitas dúvidas a serem esclarecidas pelos estudiosos da matéria, principalmente quanto à verdadeira personalidade desse místico líder religioso.
A figura carismática de Conselheiro é quase sempre apresentada como de uma pessoa desvairada, sem qualquer ligação com o contexto social da época em que viveu e com os problemas que afligiam a extensa região em que ocorreu a Guerra de Canudos.
Na verdade, Conselheiro, além de pregador religioso, era um ferrenho abolicionista, convencendo com suas palavras os escravos que futuramente engrossariam as fileiras de resistência do povoado.
Transmitia a todos eles, de uma forma simples, objetiva e clara, os ensinamentos contidos nos Evangelhos, e os escravos, ao anoitecer, surgiam em grande número para ouvir e meditar sobre os sermões desse piedoso sertanejo.
Afinal, Conselheiro não foi um personagem alienado, irrefreável e insensato, como apontam alguns ensaístas no estudo do ocorrido em Canudos, sendo, na verdade, um agente de dinamização social no período que vai desde os tempos da escravatura até a completa destruição do arraial de Canudos pelas expedições militares, incumbidas do genocídio dos habitantes da pequena aldeia, construída por Antonio Conselheiro, que em suas pregações, em uma primeira fase, reunia os escravos, expondo-lhes a situação irregular em que se encontravam, trazidos acorrentados da África em navios-negreiros, ressaltando a necessidade de libertá-los desse desapiedado jugo, custasse o que custasse, atraindo, cada vez mais, os escravos que se deslocavam de grandes distâncias para ouvirem atentamente a pregação, sempre impregnada de otimismo e de ideais libertários.
Em suma, Conselheiro, morto em Canudos pelas forças do exército, nunca deixou de ser um plebeu com espírito abolicionista, jamais pegando em uma arma para a sua defesa, atuando em uma extensa área rural onde os líderes tradicionais do abolicionismo jamais tinham pisado, valendo ainda o registro de que a rebelião dos seus seguidores não tinha nenhuma finalidade política, mas, sim, apenas religiosa ou mesmo mística, não colocando em risco o governo republicano.
Com a morte de Antonio Conselheiro, diminuiu o sonho da liberdade do povo oprimido, passando a reinar uma arbitrariedade jamais vista, tamanha era a diferença entre o fuzil e o crucifixo, deixando de existir para todos os adeptos do devoto o sonho utópico de viver em uma sociedade mais real, acolhedora e justa.
Ao cobrir esse espantoso acontecimento, Euclides da Cunha pouco falou sobre o horrendo combate da Guerra de Canudos, limitando-se, após o seu término, a revelar em seu poema “Página Vazia”, alguns impactos causados, revendo tenuamente em sua mente as imagens comoventes de uma batalha, chamada por ele de “despiedada e aterradora”.
Esse engenheiro-escritor, todavia, cego pela propaganda da imprensa e do governo, silenciou em demasia a respeito dos massacres reinantes nos intermitentes e seguidos combates levados a efeito contra os seguidores de Conselheiro, escrevendo artigos exaltados, que sempre terminavam com gritos impregnados de patriotismo, como “Viva a República” ou a “República é imortal”.