FLAGRANTE NO CEMITÉRIO
Nada estava fazendo, mas ele acabou sendo preso por dois guardas municipais.
Depois de uma revista, nada foi encontrado em seu poder.
A prisão teria sido feita porque eles diziam que ele teria urinado, no período noturno, defronte ao cemitério.
Chegando na delegacia, acompanhado pelos dois guardas, ele foi recebido pelo escrivão.
Não havia delegado ali. Era preciso esperá-lo para ser lavrado possivelmente um auto de prisão em flagrante.

Depois de demorados e insistentes telefonemas, apareceu ali uma pessoa de porte mediano, expressão não muito carrancuda.
Estava de terno e gravata. Era mesmo o delegado.
Relatados os fatos a ele, dirigiu-se aos guardas, afirmando que aquele delito conhecido penalmente por “ultraje público ao pudor”, não tinha se configurado.
Os tribunais entendiam que urinar discretamente, de madrugada, sem a presença de pessoas, não se caracterizaria um delito principalmente nesse caso nas proximidades de um campo sagrado, vazio e sem ninguém, a não ser pessoas mortas e enterradas.
Apesar dele alegar que não fora o autor dessa proeza que teria ofendido publicamente o pudor de algum morto, na verdade estava preso na delegacia do bairro.
O delegado perguntou-lhe se já tinha sido preso anteriormente.
Diante de sua negativa, o delegado voltou-se para os guardas, dizendo:
- Ora, como vocês prendem um pobre coitado, sem antecedentes criminais, com ficha limpa, por um delito que sequer tenha ocorrido.
Estava ele solto. Ainda bem, que era primário e com bons antecedentes.
A tão combatida Lei Fleury fora cumprida e aplicada e o flagrante sequer foi lavrado.
Voltou, naquela madrugada, quando os galos já cantavam, para casa, nada falando a sua mulher a respeito do que tinha ocorrido.
Mas, o pior é que levou no caminho de volta um grande chuvisqueiro, ficando com a roupa molhada.
Além disso foi admoestado por sua mulher por ter chegado em casa de madrugada, já tarde, andando pelas ruas desertas daquele bairro.
Mas, ficou contente por saber que a Lei Fleury tinha lhe servido para alguma coisa.
Daí para frente, nunca mais passou por aquela rua do cemitério. Acreditava que lhe dava azar passar por aqueles recantos lúgrubes, tristes e sombrios.
JARBAS MIGUEL TORTORELLO