PADRE CICERO, o “PADIM CIÇO”
Em uma noite natalina numa capelinha que tinha como padroeira Nossa Senhora das Dores, Padre Cícero Romão Batista, até então um quase desconhecido sacerdote, rezava missa em Juazeiro do Norte, que não passava de um pobre e pequeno vilarejo do sertão cearense.
O arraial não possuía mais do que cinqüenta casinhas de taipa, cujas paredes eram feitas de bambus, paus, raízes e barro amassado, que não ofereciam o mínimo conforto aos seus moradores.
Em seguida, foi transferido para a cidade de Crato, também no sul do Ceará, mas, depois de uma longa conversa com seus superiores, voltou para Juazeiro do Norte, sob a justificativa que o seu trabalho seria mais útil naquela localidade para ajudar os sertanejos desamparados.
Em Juazeiro do Norte passou a visitar semanalmente todos os moradores, levando conforto e harmonia aos lares, conseguindo, com grande esforço, apesar das dificuldades financeiras, reformar a pequena capela ali existente e ganhando a confiança de todos.
Ficou logo conhecido como um grande conselheiro e o responsável pelo rápido progresso daquela cidade, onde fundou uma bem organizada irmandade ligada à religião católica e a sua fama logo se espalhou por toda aquela extensa região brasileira.
Ocorre que, durante uma missa celebrada no início do mês de março de 1889, a hóstia dada por ele a uma beata chamada Maria do Araújo transformou-se em sangue vivo, acontecimento que se repetiu em outras oportunidades durante o ato sagrado da comunhão.
Depois desse fato incomum, houve uma verdadeira transformação na rotina da cidade e na vida do padre, uma vez que o povo passou a ligar o episódio ao sangue de Jesus Cristo, acontecimento raro e inexplicável cientificamente.
Como as toalhas utilizadas para a limpeza da boca da comungante ficavam manchadas de sangue, passaram a ser veneradas pelos fiéis e pelos devotos, apesar de o sacerdote tratar o caso com serenidade guardando um profundo silêncio a respeito dos fatos.
A cidade de Juazeiro do Norte, a partir desses acontecimentos considerados milagrosos, passou a ser um grande centro de peregrinação, com repercussão do ocorrido até mesmo em outros países, inclusive no Vaticano.
O Padre Cícero passou então a ser considerado, além de um sacerdote virtuoso, um homem santo, uma pessoa amiga dos pobres e passaram a chamá-lo de, de uma forma carinhosa, de “Padim Ciço”, “Meu Padim” ou “Meu Padim Padre Ciço”.
Deverá ser registrado um fato singular ocorrido na vida desse sacerdote em sua vida quando completou doze anos de idade, já tinha feito voto de castidade, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales.
O bispado cearense, depois de uma demorada investigação, concluiu que a transformação da hóstia em sangue, por ocasião da comunhão de Maria do Araújo nada tinha de milagrosa.
Outros padres deram comunhão àquela beata durante várias missas celebradas no mesmo local, não ocorrendo nenhuma transformação na hóstia que lhe era ministrada.
O Padre Cícero, em virtude do veredicto do seu superior hierárquico, foi suspenso em 1.889 e eliminado do cargo de sacerdote, decisão essa confirmada pelo Sumo Pontífice, de nada valendo a luta do religioso durante toda a sua vida no sentido de que a pena que lhe tinha sido imposta fosse reconsiderada.
O Santo Ofício, no ano de 1.896, determinou que ele deixasse Juazeiro do Norte, sob pena de excomunhão, deliberação essa cumprida pelo sacerdote.
O povo, por sua vez, considerando injustas as punições, ficou alegre ao ver Cícero Romão Batista ser nomeado Prefeito da cidade nos anos de 1.911 a 1.927.
Nas eleições seguintes, foi eleito Deputado Federal e, em seguida, Vice Governador do Ceará, atuando no exercício desses cargos políticos com dedicação em prol do reconhecimento dos direitos das pessoas desafortunadas.
A devoção do povo foi aumentando cada vez mais, mesmo depois de sua morte ocorrida aos noventa anos de idade e, até hoje, vindos de todos os recantos do país, milhares de fiéis viajam até Juazeiro do Norte à procura de uma graça.
Na data de 24 de março, dia do aniversário desse sacerdote, muitas cidades fazem festas em todo o sertão nordestino em sua homenagem.
No aniversário de sua morte a cidade de Juazeiro do Norte se veste de preto em sinal de luto, ocasião que os fiéis participam com muita devoção da missa rezada em seu louvor.
Mesmo suspenso e não sendo mais reconhecido como sacerdote da Igreja Católica, o “Padim Ciço” continuou a ser considerado um verdadeiro santo do sertão nordestino, sendo eleito no ano de 2.001, em campanha promovida pelas principais redes brasileiras de televisão, como o cearense mais importante do século passado.
A sua imagem, atualmente, é muito venerada nos diversos recantos brasileiros, sendo que bustos e monumentos do “Padim Ciço” estão erguidos em centenas de logradouros espalhados por todos os cantos do país.
Continua recebendo orações e preitos dos seus admiradores, fiéis e devotos, sendo criado em Juazeiro do Norte, terra em que exerceu a sua missão durante muito tempo, o Museu Cívico e Religioso do Padre Cícero Batista Romão, nascido em 1.844 e falecido no ano de 1.934.
A cidade de Juazeiro do Norte atrai três milhões de romeiros a cada ano, fato que atesta a projeção nacional desse sacerdote.
O Papa Francisco considerou, em data te 13 de dezembro de 2.015, suspensas as punições do Padre Cícero ou como seus devotos o chamam de “Padim Ciço”, reconhecendo que ele, durante o seu sacerdócio, “viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo”, no entender do Cardeal Pietro Carolin, Secretário do Estado do Vaticano.
Agora, com a reconciliação, ficou aberto o caminho para a sua reabilitação, beatificação e canonização pela Igreja Católica Apostólica Romana, podendo o Brasil possuir mais um santo, sendo que essa iniciativa deverá ser tomada pela Diocese de Crato, no Estado do Ceará.
Jarbas Miguel Tortorello