UM VELHO MESTRE

18/12/2014 12:16

UM VELHO MESTRE

 

O bar estava lotado, com o que havia do pior e do melhor naquela florescente cidade interiorana, recebendo em seu meio os mais variados e bizarros personagens.

O barulho das vozes misturadas e baralhadas não dava para perceber o que se conversava nas mesas vizinhas e ornadas com toalhas multicores.

Do alto da parede não se percebiam as notas vindas de um aparelho sonoro, abafadas que eram pelo vozerio reinante.

Visitá-lo, depois de cerradas as portas do comércio e dos escritórios, já se consumava em uma rotina para os fieis frequentadores.

Os médicos misturavam-se com os operários, os grandes empresários e outros profissionais liberais, aos serviçais e demais exóticas figuras do cotidiano citadino.

Como se houvesse uma prévia combinação, os homens separados de suas famílias, os solteirões de profissão e os desajustados da sociedade, sentavam-se em mesas separadas dos demais.

Todos dispersavam-se em um cômodo até pequeno para tanta gente, que estavam acostumados a curtir ali o entardecer do dia para, em seguida, no meio da noite, alguns já semiembriagados, enfrentarem a realidade dos seus lares, alguns dilacerados ou em fase de dissolução, outros vivendo em virtual harmonia.

Eu e o meu colega de serviço ali sentados, com copos à mão, acreditávamos que aquele ensurdecedor barulho, não poderia ser somente um protesto, mas, também um desabafo pelas coisas deploráveis que aconteciam em nosso mundo.

Mesmo com aproximação de uma eleição para escolher um chefe da nação, ninguém tocava nesse assunto, talvez com vergonha das mazelas e falcatruas praticadas pelos governantes.

Como de hábito, embora tardiamente, sentava-se à nossa mesa um velho professor, nosso amigo, quer das salas de aula, quer da vivência em botequins.

O mestre, com barba por fazer, sempre com seu surrado terno, com camisa amarrotada, gravata gasta e multicolorida, calçados de treliça devido a esporões nos pés, era agraciado na entrada com uma taça de cerveja.

Mal sentado na mesa, com voz rouca, punha-se a reclamar quase de tudo, inclusive do curto salário de professor e da indelicadeza de alguns alunos.

Mas, apesar das reclamações e dos tiques de velhice, com ele se aprendia muita coisa pela participação ativa na revolução constitucionalista e como expedicionário na segunda guerra mundial, enriquecendo os seus conhecimentos com esforço próprio, no cultivo da autodidática.

O professor estava contente, enquanto sorvia a caneca com cerveja, não se esquecendo de conversar seguidamente a respeito dos seus conhecimentos os mais variados.

Quanto à guerra, relatava os acontecimentos ocorridos em terras italianas, ocasião em que se engraçou com uma florentina, pobre e com parentes mortos em combate, mas acabada a conflagração, houve somente uma despedida com lágrimas, nada mais, apenas os acenos partidos do navio que rumava em volta gloriosa para as terras brasileiras.

O mestre, já um pouco tomado pelo efeito da cerveja, com ênfase dizia sobre a sua participação na revolução, afirmando que no seu pesado uniforme guerrilheiro, nada fazia, a não ser, preparar-se com os demais soldados, diante de uma notícia no sentido de que os adversários se aproximavam para uma batalha.

Dizia ainda que sua participação na revolução paulista valeu mais por uma medalha recebida e por uma pequeno beneficio mensal concedido pelo governo.

A noite já se apresentava, ocasião que o professor já se retirava, mesmo meio cambaleante mais pela ação maléfica dos esporões do que dos três copos de cervejas ingeridos.

O professor não se esquecia de levar em mãos um sanduíche bem reforçado para sua companheira Dorinha que, com ele, morava em um cortiço em bairro distante.

O casal ali tinha como vizinhos, um jogador de futebol sem profissão definida, que já havia jogado no passado em um grande clube da Capital e um famoso cantor que, em uma época distante, era chamado para apresentações nas melhores baladas das cidades interioranas.   

Eu e o meu amigo, depois de acertar a conta com o garçom, saímos caminhando pela cidade, onde cruzávamos, aqui e ali, com pessoas inseparáveis nas noitadas.  

 

JARBAS MIGUEL TORTORELLO