UMA PROFISSÃO DIFÍCIL
UMA PROFISSÃO DIFÍCIL
Num concurso havido para definir qual era a profissão mais difícil do mundo, inscreveram-se profissionais de todos os ramos da atividade humana e cada interessado tinha direito a meia hora para a defesa de sua tese, havendo a proibição de apartes ou qualquer outra forma de interrupção, permitindo-se somente palmas para o orador no final de cada exposição.
O político, com o microfone na mão, dizia à platéia que a mais difícil profissão era a sua, uma vez que, como sempre foi considerado um mal necessário à sociedade, jamais seu trabalho recebia o reconhecimento da população, sempre vivendo como um eterno condenado a cumprir as penas no inferno, falando seguidamente sem chegar a lugar algum e tendo como meta principal deixar o povo alegre, satisfeito e feliz, embora, para atingir essa finalidade, fosse obrigado a usar os mais variados artifícios e estratagemas.
O religioso, com seu caderno de oração, afirmava que vivia a pregar no deserto, sendo sempre vítima de injusta crítica vinda da sociedade, de nada adiantando o seu sermão àqueles que, diante de um dia ensolarado ou de uma noite enluarada, ou de um catafalco de pessoa estimada ou do sofrimento de um semelhante, ainda negam a existência de um ente divino e transcendental, sendo difícil como pastor de almas sua missão terrena.
O atleta, exibindo as medalhas conquistadas durante o período de sucesso, asseverava que, apesar de ter sido a alegria das multidões disformes, ao término de sua vida era quase sempre marcado pelo isolamento e pelo esquecimento, sendo impossível, na fase adversa, conservar o espírito sereno, ficando sem sentido o entendimento reinante de que a vantagem obtida no passado viesse a ser julgada à luz de um resultado final, sendo sua profissão marcada pela desconsideração, pela complexidade e pela angústia.
Assim, todas as profissões compareceram nesse conclave, com um desfile interminável de considerações feitas por padeiros, médicos, sorveteiros, dentistas, artistas, açougueiros, advogados, engenheiros, comerciantes, professores, metalúrgicos, bancários, agricultores, cada qual expondo demoradamente as agruras de sua atividade em todos os recantos do mundo.
Mas, acabou vencendo a prova uma pessoa que tinha como profissão a arte e a ciência de cultivar o mais puro e nobre sentimento humano, que vem a ser a amizade, lembrando, logo de início, que o cientista Isaac Newton rompeu seu relacionamento amigo e fraterno com um notável químico europeu por causa de uma piada obscena, relembrando a seguir as palavras contidas na canção dos compositores Milton Nascimento e Fernando Brant, no sentido de que “amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração e no lado esquerdo do peito”, mas que, inegavelmente, apesar da aparente contradição, a profissão de amigo, se não fosse a pior, deveria ser considerada pelos votantes como a mais difícil existente na face da Terra, apesar da pregação pessimista do Cardeal Mazarin, no sentido de que os amigos não existem, mas somente pessoas que fingem a amizade com todo o mundo, mesmo com aquelas que são odiadas, não havendo melhor saída do que essa circunspeção que se incumbirá de ocultar ou esconder um eventual estado colérico.
Todos foram unânimes na hora da escolha em considerar a mais difícil profissão do mundo como sendo a de amigo, uma pessoa que, apesar de alegrar o próximo com suas confidências, com seus conselhos, com seus sorrisos, com suas visitas, com suas considerações, com seus favores, com seus desprendimentos, com os seus presentes e com os seus elogios, também vem açodá-lo com seus problemas, com seus desatinos, com suas manias, com seus defeitos, com suas adversidades, com suas loucuras, com suas doenças, isto é com suas imperfeições.